
Na era da autoficção e da zelosa preocupação em revelar uma vida gloriosa nas redes sociais, é aceitável — e até justificável — que os apreciadores de todas as linguagens artísticas fiquem curiosos e inclinados a identificar onde está o autor nas obras que este revela ao público.
Aliás, nada contra esse movimento, porque é uma leitura natural, apesar de rasa. Por isso, um aviso a quem for contemplar as obras da mostra Nos prados verdes e nas pedras pretas, do artista plástico caxiense Christian de Lima, expostas a partir desta quinta-feira (5), às 19h, na Galeria Gerd Bornheim, da Casa da Cultura.
O aviso é: cuidado para não se perder procurando o autor dentro da obra.
Apesar de explicar que a exposição dialoga com o conceito de “léxico familiar”, da escritora italiana Natalia Ginzburg, preconizando que “toda família inventa seu próprio idioma”, Christian não criou uma narrativa-visual biográfica. Apesar de partir do íntimo, de buscar aqui e ali fragmentos de sua história particular, as 36 obras reunidas não dão conta de revelar a complexidade da vida do autor.
Por isso, se o espectador for à mostra querendo ver só o autor dentro da obra, a leitura será limitada, rasa e até maniqueísta. Porque, mesmo sem que o espectador verbalize, vai colocar um rótulo no autor.
— Nesta exposição não respondo, mas experiencio. Uso o desenho, o carvão, a linha solta e a tinta como quem tenta escavar memórias sem ferir o que ainda vive – revela o artista, despistando-se.
Essa “arqueologia afetiva” que escava memórias a que se refere Christian é a forma que ele encontrou de organizar o seu léxico familiar, como se alinhavasse uma colcha de retalhos, dando um certo sentido às lembranças fragmentadas. E, insisto, faz sentido na história dele que, sim, ele se enxergue dentro de suas obras. Contudo, para o espectador, as pistas que o Christian deixa em cada obra são um mote para que cada um se recorde de seus léxicos familiares, que se permita fruir nas suas lembranças. E é nesse sentido que a exposição amplia a visão do espectador.
— Há objetos que são como palavras herdadas, imagens que são lembranças inventadas, materiais que tocam aquilo que já foi pele e casa — destaca Christian, em tom filosófico.
O nome da exposição também reverencia a escritora Natalia Ginzburg, cujos versos a seguir estão em sua obra Léxico Familiar, publicada em 1963.
Cai a chuva uniforme e devagar
nos prados verdes e nas pedras pretas.
Vagas formas dissipam-se no ar
cobertas de leves névoas negras.
— Ela escreve isso num momento da obra em que ela está contando sobre as férias em família, quando iam para o interior da Itália, numa região montanhosa. No livro ela descreve isso num tom bravo, porque ela não tinha se tocado disso, da importância daqueles momentos. E a gente vê o tempo todo o nosso léxico familiar e a gente não registra. A gente não se dá conta e a. E quando li esse livro pensei em guardar, de alguma forma, as minhas memórias familiares — conta Christian.
Memórias agora compartilhadas por meio de traços, gestos, cores e formas e que revelam laços de intimidade de tantas e tantas famílias. E tudo isso a partir do olhar generoso do artista, que abriu o seu baú de memórias para que os espectadores pudessem divagar por meio de suas lembranças familiares.
Programe-se
- O quê: abertura da exposição Nos prados verdes e nas pedras pretas, do artista visual Christian de Lima.
- Quando: abertura nesta quinta-feira (5), às 19h. A mostra ficará disponível para visitação até o dia 28 de junho.
- Onde: Galeria Municipal de Arte Gerd Bornheim (Casa da Cultura - Rua Dr. Montaury, 1.333 - Centro - Caxias do Sul).
- Quanto: entrada franca.