Tive a oportunidade de degustar muitos queijos e doces de leite da região — não apenas na mesa que me foi designada como jurado, mas também na rodada final de seleção para o prêmio Super Ouro. Esta é minha segunda vez como jurado neste concurso, e já participei de certames internacionais em São Paulo e Portugal. Posso afirmar, com sinceridade, que o nível dos queijos gaúchos está superando fronteiras internacionais. Não apenas os queijos coloniais e serranos melhoram ano após ano, como também surgem propostas inovadoras, autorais, cheias de identidade e criatividade.

Como você compara os queijos do Rio Grande do Sul com os da Argentina e do Uruguai?
O Brasil está vivendo um crescimento vertiginoso em termos de qualidade, criatividade e identidade própria, algo que na Argentina e no Uruguai levou muitas décadas. O Uruguai, por exemplo, é um país muito pequeno e conservador, onde a tradição queijeira — especialmente na região de Nueva Helvecia, onde moro — vem dos imigrantes europeus do século ado. Com o tempo, a indústria se concentrou em padronizar sabores e produzir em larga escala, o que também acontece em boa parte da Argentina. Porém, nos últimos anos, surgiram em ambos os países pequenos produtores artesanais, apaixonados pelo sabor, pela tradição e pela personalidade de cada queijo, independente de sua escala. Se há algo que me encanta nos queijos gaúchos, é a conexão profunda com o território. O Queijo Serrano, por exemplo, é um caso emblemático: feito com leite cru, sem fermentos artificiais, reflete fielmente o terroir local. O pasto, o clima, a mão do produtor… tudo se transforma em sabor.

Em seu livro, você fala de uma "arquitetura do queijo". O que isso significa?
Exploro como o queijo artesanal é uma obra de arte viva, que começa muito antes da ordenha. Um verdadeiro queijeiro artesanal toma decisões desde o início: escolhe as raças leiteiras, os tipos de pasto, o manejo dos animais. Depois, na tina, continua criando: decide os tipos de fermento, coalho, tempo de corte, de salga, de cura… A partir daí, pode afinar seus queijos com azeites, cinzas, ervas, bebidas típicas… as possibilidades são infinitas! A maturação, por sua vez, é outro capítulo artístico: cavas subterrâneas, madeira, umidade, tempo… tudo isso transforma o queijo. Paixão, sensibilidade, técnica e território se unem para transformar um alimento ancestral e honesto em algo único e culturalmente valioso.

Mas você, de fato, é formado em arquititetura, certo?
Sou arquiteto, formado em Buenos Aires, com parte dos meus estudos realizados em Turim, na Itália, e uma pós-graduação em arquitetura bioclimática em Michoacán, no México. Mas, desde pequeno, sonhava em viver no campo, rodeado pela natureza, por animais e ar puro. Em 2000, junto com minha esposa, começamos a buscar o nosso lugar no mundo. Viajamos pela Patagônia, pela Itália, por diferentes regiões da Argentina e do Uruguai. Até que nos apaixonamos por Nueva Helvecia, no Uruguai, a apenas 45 minutos de Buenos Aires. Ali, restauramos uma antiga vinícola de 1880 e a transformamos numa pousada rural chamada La Vigna. Enquanto continuava atuando como arquiteto, fui me apaixonando cada vez mais pela vida no campo: hortas, animais, queijos… Comecei com algumas ovelhas e uma cabra, fazendo queijos para amigos, familiares e os turistas da pousada. O que começou como um hobby, 22 anos depois, virou uma paixão e um estilo de vida. Hoje temos uma queijaria onde produzimos mais de 30 tipos de queijos, usando leite de vacas jersey, ovelhas e cabras, com técnicas europeias e criações próprias. Nossa fazenda tem apenas 35 hectares, é 100% orgânica, e temos orgulho de levar nossos queijos aos melhores restaurantes e lojas especializadas do Uruguai — e, em breve, da Argentina também.

E como você vê o futuro do queijo artesanal no mundo?
O mercado do queijo artesanal está crescendo em todo o mundo — e de forma exponencial desde a pandemia, quando as pessoas começaram a se preocupar mais com o que comem, buscando produtos menos industrializados, mais naturais e com história. Tudo que remete a ofícios antigos está em alta: vimos isso com a cerveja artesanal, com os vinhos naturais, com o pão de fermentação natural… e agora com os queijos. As grandes indústrias ainda existem e têm seu público, mas há cada vez mais jovens voltando às fazendas de seus avós para resgatar saberes, produzir com respeito e cuidar da biodiversidade. Recebo muitas mensagens de leitores que querem aprender, que pedem dicas, que compartilham suas criações. Isso me enche de esperança.

Tem novidades para o futuro?
Atualmente, além de trabalhar na segunda edição do meu livro e expandir nossa queijaria no Uruguai, estou envolvido em um projeto fascinante em Mendoza, na Argentina, onde vamos produzir leite de altitude com vacas autóctones, em parceria com uma vinícola tradicional. A ideia é fazer queijos de montanha, ao estilo alpino, mas nos Andes. Também estou assessorando pequenos produtores e — quem sabe — talvez em breve nasça um microprojeto de queijos autorais nas lindas Serras Gaúchas. Mas isso… é assunto para uma próxima edição.

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